domingo, 31 de janeiro de 2010

PORTEIRAS TERRA VIVA


                                                                  Fotos: Norma Novais

Caminho na vasta integralidade da natureza.
Ela me diz algo aqui e ali.
Ouço o segredo do silêncio.
E caminho no barulho dos meus passos.
Percorro um caminho estreito com abismos do lado esquerdo.
As borboletas sem medo ultrapassam frente a mim.
As cigarras cantam gasguitas.
Os cipós acompanham a direção do vento.
Ultrapasso a água pulando de pedra em pedra.
Bebo a límpida água da nascente com as mãos côncavas.
E estrumo as minhas raízes de mulher.
Na terra que me concebeu.

sábado, 30 de janeiro de 2010

CANTEIROS

                                                             Foto: Norma Novais

Os seus cachos multicores se arredondam no canteiro.
Exuberantes e belos quanto aquele olhar matutino.
Uma beleza que se mostra.
Uma gratuidade.
Um terreno bem adubado com "borras de café".
Um lilás que se disfarça entre o branco.
Umas folhas aveludadas que se exibem aos raios de sol.
Vários ramalhetes em terra firme.
E o meu espanto que se eterniza alí.
Para além do estético e do efêmero.
Reconhecer aquilo como obra da Criação.
Fábrica do amor maior que se mostra.
Encanto irrepetível.
Canteiros que se multiplicam no frio da serra.
Assembléia de hortênsias.

JEITO DE BRINCAR

                                                              Foto: Norma Novais

- Aceito o convite de brincar.
- Era uma vez ... ou Foi uma vez?
- Se a estória for muito assustadora
é melhor começar por ... Foi uma vez, porque é algo que já passou.
- Mas aí se for uma estória de bruxa
e ela resolver só fazer mágicas boas?
- Ah! Se for assim, é melhor começar por... Era uma vez...
- Mas se eu contar que em mil novecentos
e antigamente um sapo morou num castelo,
é melhor começar por Era uma vez... ou Foi uma vez?
- Já faz muito tempo não é?
- É melhor começar por Foi uma vez...
pode até ser que o sapo e o castelo nem existam mais.
- E se eu inventar que eles existem,
que o sapo existe, que o castelo existe,
que ele é até próximo da minha escola?
- Aí é melhor nem se começar por Era uma vez...
nem por Foi uma vez.
É melhor... É a vez... de brincar.

BRINCANDO NO SIMPLES


                                                            Foto: Internet

Uma boneca com corpo e cabeça de milho,
tirada da roça,
cabelos loirinhos,
com cheirinho de vida.
Risadas, comparações,
encontros, canções.
Ao abrir a roupa de palha
um corpinho repleto de sementes novas.
Grãos de esperança
de que é possível brincar de boneca
sem ter que ir ao shopping.

LUA OURO DE VIDA

                                                                 Foto: Internet
 
Bordas alaranjadas da lua ouro de vida.
Uma dourada bola feminina perturbadora de corações distraídos.
Peito à mostra.
Que muda as marés.
Que mexe com os ventos.
Que reflete brilho na água do mar.
Que faz emergir os segredos submersos.
Que faz terremoto nas carnes e e no coração.
Que provoca arruaças e bate boca.
Que segue viagem para outros estágios.
Outras fases ouro de vida.

IPÊ URBANO

                                                             Foto: Norma Novais

Enfileirados estão os pés de ipê.
Numa via pública perto da linha férrea.
São árovores adultas, bem robustas.
Cachos amarelos que a cada dia escondem o verde.
Falam da abundância da natureza.
Despertam em poucos meses do ano.
É outubro e aquele percurso ganha vida.
Cheiro de primavera.
Um belo que se mostra.
Ipê urbano.
Que estremece a copa com o passar dos ônibus.
Ipê que veste a cidade de dourado.
Que desperta a minha oração matinal.
Que mantém seu desenho majestoso da mata.
Obras de arte enfileiradas.

A IMPERMANÊNCIA

                                                              Foto: Anaí Tavares

No horizonte da existência:
onde habitará a aparente segurança?
que garantia eu tenho da sustentação da zona de conforto?
qual o dólar ou o real que poderá me levantar do túmulo?
que poder eu tenho sobre o daqui a pouco?
O não poder.

A FINITUDE HUMANA E O PODER

                                                                Foto: Norma Novais

O tempo é o melhor mostrador da finitude humana.
O tic-tac é um barulho sequencialmente constante.
O crescimento corpóreo dos filhos e dos netos, outro indicador.
A maturidade vai pedindo menos ter e mais ser.
As limitações pouco a pouco fazem suas exposições incômodas.
Muitos poderosos, arrogantes e preconceituosos
esquecem essa inevitável trajetória do anoitecer todos os dias.
E que tal, uma breve visita ao cemitério?
Casa onde o tempo nos faz pó.
Outro, não melhor, mas maior mostrador da finitude humana.

ACÁCIA

                                                     Foto: Norma Novais

Lanço um olhar sobre aquela árvore de porte médio.
Caule em forma de baladeira.
Parece se abrir para o mundo.
Coja majestosa,
predominando os galhos verdes,
em contraste com os cachos amarelos pendurados.
Eles se deixam tocar pelo vento.
São flores delicadas, côncavas,
que parecem ter como missão encantar treseuntes como eu.
Elas respiram e vivem o momento do agora.
Neste instante fazem a sua passagem.
Um borbulhar de beleza.
Hoje, agora, mostram-se exuberantes,
abundantes, sem se importar com o depois.
Quando os cachos de um amarelo pardo
se encontram com os demais, parece uma festa.
Galhos menores desabrocham, estão por vir.
Esta flor se chama Acácia.
Nome de mulher.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

UMA IDÉIA NASCENTE

                                                             Foto: Norma Novais

Tenho uma idéia fugidia
como a água cristalina de um córrego
que escapa entre meus dedos.

Tenho uma idéia efêmera
como a beleza de uma papoula
que desabrocha pela manhã com toda força narcísica
com a existência de um dia.

Tenho uma idéia viajante
como o sonho daqueles apaixonados
que se transportam no tempo do encontro desejado.

Tenho uma idéia atrevida
como a conquista de um gol impossível
que detonado pelas pernas tortas de Garrincha se concretiza.

Tenho uma idéia surpreendente
como a cada encontro com o cliente em terapia,
que traz seu modo de existir no mundo naquele momento.

Tenho uma idéia nascente:
de FELICIDADE.
Que é fugidia, efêmera, viajante, atrevida e surpreendente
como a VIDA.

ACALANTO

                                                             Foto: Norma Novais

Folgue comigo na grama.
Nem palavras, nem música.
Quero acalanto.
Que os pássaros assanhados testemunhem este momento único.
A terra mãe cama dos nossos corpos.
Que a luz do sol nos mostre.
Que as nuvens do céu façam seu percurso de cumplicidade.
As folhas secas são ilimitadas e tangidas pelo vento.
Enquanto amamos o todo ama também.
Quero acalanto como "um ser-no-mundo".
Tantos outros celebrando a vida.
Irmãos e irmãs já nascidos.
Quero de presente a sua companhia.
Ter o amor como esteio da criação.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A SABEDORIA DAS PEQUENAS COISAS

                                                              Foto: Norma Novais

Eu quero a paz de me encostar a uma árvore.
E a lindeza de contemplar um sussurro de criança.
A delicadeza de tocar as pétalas de uma rosa vermelha.
E a sutileza de ouvir um pássaro maestro.
Eu quero ouvir o ruído do córrego.
E o barulho da fuga de um beija-flor.
Eu quero receber uma carta.
E a visita inesperada de um amigo.
Eu quero um raio de sol de uma manhã chuvosa.
E a chegada de um pára-quedas no meu quintal.
Eu quero me emocionar com uma criança flautista.
E me encantar com uma semente que brotou.
Eu quero dormir de rede.
E morder a carne delicada de um caju.
Eu quero sentir saudades.
E admirar a criação de um artesã.
Eu quero acariciar a barriga de uma gestante.
E esconder a meia do Papai Noel.
Eu quero ver um golfinho dar cambalhotas.
E achar bonita a fisionomia de uma idosa.
Eu quero plantar uma árvore para um neto.
E me abraçar à bandeira verde e amarela.
Eu quero ouvir um chorinho.
E contar uma história infantil.
Eu quero andar descalça na areia.
E ler um poema de Patativa do Assaré.
Eu quero ser flor de laranjeira.
E sentir o aroma de ser interiorana.
Eu quero dançar ao ar livre.
E sentir o gosto pelas coisas simples e pequeninas.
Usufruir da gratuidade da vida.
E da magia de mini sabedorias que nos fazem gente.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

FACEIRICE

                                                                Foto: Norma Novais

Minha faceira bailarina.
De pezinhos equilibristas.
Enche de alegria o meu viver.
Baila para o meu coração,
compadece-se dele.
Traz ternura,
leveza,
movimento,
novos jeitos de dançar.
O meu aplauso a sua inocência,
e a meninice que me faz roubar seus gestos.

domingo, 24 de janeiro de 2010

RECOMEÇO

                                                               Foto: Karin Pereira

A chuva cai na vidraça.
Fazendo escorrer as gotas que se precipitam nas bochechas.
Chuvas de fora e de dentro.
Os zangados trovões se manifestam.
Clarões de relâmpagos.
De repente a vida fez um cochicho:
é preciso recomeçar sempre.

DESEJADA SOLIDÃO

                                                                 Foto: Anaí Tavares

Fica comigo triste e desejada solidão.
Não se apague a tormenta que a faz viva.
Porque a tua existência me leva ao cume.
Fica comigo aventureira solidão.
O vento não a carregue para os vazios esconderijos.
Pois é nesta triste e desejada solidão que eu te encontro.

Cachoeira da Barriguda - Porteiras-CE.

QUIETUDE FÉRTIL

                                                                 Foto: Norma Novais

Quero que a vida me surpreenda
prazerosamente ou dolorozamente só.
Num espaço de quietude fértil.
Desviando o olhar do mundo.
Bem próxima de mim mesmo.
Que o automatismo não assassine minha humanidade.
Preciso me perceber.
Humanamente só.

A SOLIDÃO

                                                            Foto: Norma Novais

Ela mergulha no silêncio ensudercedor.
Na procura isolada do nada.
Na ausência daquele que não virá.
Ela nega a companhia.
E encontra-se na surdez da palavra.
E na separação de mãos.
Apimenta o peito.
Até esquece a lamentação.
Para tornar-se dolorosamente só.

Rua de Porteiras-CE.

POETA FLAUTISTA

                                                                    Foto: Internet

Ele pegou um papel e uma flauta.
Primeiro emergiu o poeta.
Coloriu o papel.
Olhou para o seu coração e o pôs ali.
Escreveu como que sonhando.
Doce criar de dentro.
Não só perambulando pelas palavras.
Sentindo a natureza integral mais profunda.
Algo lhe preenche com a sensação de amplitude e de grandeza.
Sentou-se à janela.
Sacou a flauta.
Compôs uma canção atrás da outra.
Elogiando o anoitecer.
Dando quietude aos passarinhos que se recolhem.
Lembrando da sua filha no berço.
Esperando as estrelas aparecerem.
Alternância de vida: ora um papel, ora uma flauta.
E a partir daí, o poeta flautista passou a viver melhor.

AMOR FUGIDIO

                                                            Foto: Wellington Monteiro

Como proclamar o amor arredio para perto quando ele se movimenta noutra correnteza?
Como chamar esse amor surdo se ele repica ao longe nos contra-ventos velozes?
Como falar com esse amor boêmio se ele só quer cantar?
Como sussurar para esse amor se ele é puro trovão?
Como dizer a esse amor viajante que ele fique se ele tem calda de cometa?
Como eternizar esse amor se ele é pura espuma?

O CORAÇÃO

                                                               Foto: Norma Novais

Este músculo atrevido que dói,
que bate, que resmunga.
Bombeador de adrenalinas.
Recebedor de mensagens.
Gosta de se localizar no centro da vida.
Convoca seus tambores.
Faz festas e feridas.
Como condená-lo?
Cabe a ele pulsar.

ARMAZÉNS EMOCIONAIS

                                                                      Foto: Internet

Se não se importa
os lixos são depositados no dia-a-dia nos armazéns emocionais.
Superlotam as prateleiras da desesperança.
Se amontoam sem dar espaço ao bom humor.
Se fecham nas caixas sufocantes da falta de perdão.
Se perdem nos labirintos das dúvidas,
das perguntas não feitas,
das respostas não dadas.
Se enfileiram sobre os ossos dos projetos que morreram.
Se não se importa
a tristeza vai liderando para preencher os espaços vazios.
A raiva no seu grito forte reivindica mais prateleiras.
E os ressentimentos solicitam o "uso capião".
O não esvaziamento sufoca a dinâmica imunológica.
A vida se enche de rugas.
A a alma sufocada solicita um espaço a céu aberto.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

PAIXÃO ECOLOGICAMENTE BELA

                                                              Foto: Norma Novais

O pequeno canivete saia esculpindo
aquele nome secreto
no mole caule da siriguela,
num local quase inacessível daquela árvore.
Quatro letras iniciais dos nomes e sobrenomes.
Cuidadosamente invertidos na sua ordem real.
A seiva escorria feito uma lágrima de amor.
Era uma secreta revelação mágica
como se fizesse inscrição nas rochas.
Como se o tempo nunca a apagasse.
Numerais meio a cada letra inicial.
Crivando a data daquela inocente paixão.
Ecologicamente bela.

REFLEXÃO


                                                            Foto: Norma Novais

Penso a vida.
Este emaranhado de fios soltos.
Este muito, este pouco ...
Este nunca.
Este quase.
Este pensamento nu.
Estas sinapses temporais.
A ligeira finitude do presente.
Este ficar a sós com o hoje.

CONEXÕES DO AMOR

                                                          Foto: Norma Novais

Algo de secreto se move.
Como se a vida não cobrasse o pôr para fora.
Como se o brilho do olhar se disfarçasse.
Como se gestos do agora se transferissem para o depois.
Como se a espontaneidade não desse vexame.
Como esconder as conexões do amor?

VAZIA PROCURA

Antes de adormecer
percorro as cadeiras na pemumbra do bar.
Como se você pudesse estar ali.
Uma inquieta e vazia procura.
Escuto uma música fora do seu repertório.
Mas que lembra você neste momento de não presença.
Um desemcontro com a embriaguez.
Uma paixão que se dilui.
Na penumbra dos lençóis.
No adormecer sem você.

CONVULSÕES

                                                                   Foto: Internet

Quero as convulsões das palavras escondidas.
Sacudir os sentimentos submersos.
Brincar com os segredos bem guardados.
Gritar meio ao deserto de um silêncio traidor.
Acordando esta alma dolorida.
Este perambular necessariamente vivo.
Encrespado nos choros dos ventos das cumeeiras.
Arrancando do chão as folhas mortas.
Os pensamentos mórbidos e fugazes.
O temor das grandes noites empoeiradas pela escuridão.
Conduzida nos braços dos sonhos que não escolhi sonhar.

VIAGEM AO CORAÇÃO

                                                      Foto: Norma Novais

Não durmo sem pôr o coração no peito teu.
Nem que não tenhas peito para que eu ponha meu coração.
Pois a minha viajante busca desloca-se até o distante peito teu.
Inexistindo a condição de não repousar ali meu coração.

MATUTINO AMOR

                                                            Foto: Norma Novais

Deixa romper o amanhã.
Para ficar às claras.
Para que a negritude de tudo se dilua.
Se derreta nos raios de sol.
Jorrem nos canais das intenções.
Das emoções.
E vejamos o que resta
deste matutino amor.

Foto Baturité -CE Parador dos Jesuítas.

O MEDO

                                                                        Foto: Internet
Ele chocalha feito cascavel.
Tira o fôlego e a palavra.
Fica na espreita de quem passa.
Está na encruzilhada.
No vento barulhento dos cemitérios.
Nas vozes das dúvidas e na escuridão das incertezas.
Em todas as formas de violência.
Está na impotência humana.
Na ausência de confiança.
Nas decisões desastrosas de guerras.
Reina no centro da bomba atômica.
Está no leito das UTI’s.
Ele embarca na falta de esperança.
E impera impiedosamente onde há desamor.

PRINCIPIANTE

                                                                Foto: Norma Novais  

Sempre haverá um principiante visitando um sonho.
Tocado pela ousadia de busca das escassas possibilidades.
Sempre haverá perambulante da paisagem,
da imagem, do som inaudível e do toque que seduz.
Sempre haverá um principiante que rabisca,
que fere a ponta do lápis.
E outro que sobe ao trapézio no rito inaugural.
Sempre haverá um principiante que excita buscas.
Que mistura cores.
Que combina notas musicais.
Sempre haverá um principiante com um afiado bisturi
nas engrenagens humanas mais delicadas.
Sempre haverá um principiante que no prazer
de ler e de brincar com as palavras,
saiu da condição de só começar.
Distribuiu segredos entre os viventes,
pela via de ser principiante.

SER E TER

                                                                   Foto: Norma Novais

O acordar sendo gente e tendo amigos.
O sonhar sendo Ghandi e tendo paz.
O brincar sendo adulto e tendo espantos.
O dançar sendo bailarina e tendo aplausos.
O visitar sendo amigo e tendo compaixão.
O educar sendo espelho e tendo horizontes.
O olhar sendo novo e tendo brilho.
O amar sendo longe e tendo saudades.
O socorrer sendo forte e tendo prontidão.
O criar sendo livre e tendo inspiração.
O cuidar sendo sábio e tendo humanidade.
O ser sendo o Ser, mesmo não tendo.